Emmanuel Levinas: Totalidade e Infinito
EMMANUEL LEVINAS: Totalidade e Infinito
O milagre da criação consiste em criar um ser moral.
Ter um sentido é situar-se em relação a um absoluto
Levinas
INTRODUÇÃO
O presente artigo destaca pontos essencias referente a obra Totalidade e Infinito de Emmanuel Levinas, tem como perspectiva, tentar entender a filosofia rigorosa e difícil que o autor apresenta. Lévinas foi um filósofo complexo em seu pensamento metafísico. O autor organiza alguns conceitos – que já havia pensado antes – sobre a relação de Totalidade e Exterioridade, o Mesmo e o Outro, a Ontologia e a Metafísica. Ele também coloca questões sobre ética, dizendo que a ética é a filosofia primeira. Que é capaz de alicerçar a relação com o Outro.
Levinas foi um filósofo lituano, que nasceu na cidade de Kaunas (ou Kovno), foi naturalizado francês, mas é de descendência judaica. Sua filosofia sofreu influência da fenomenologia de Edmund Husserl e outros. Na França, em 1923, inicia seus estudos de filosofia. Ao retornar a Paris em 1939, é capturado e feito prisioneiro pelos alemães. Ficou exilado por cinco anos, não poderá mais esquecer a marca do ódio do homem contra o outro homem deixada pela violência nazista. Ele faleceu com 89 anos de idade, em dezembro de 1995, em Paris.
O seu pensamento parte do pressuposto de que a Ética (metafísica) é a Filosofia Primeira e que é anterior a ontologia. É na face-a-face humano que se irrompe todo sentido. A ideia de Infinito surge diante do rosto do Outro, e o sujeito se descobre responsável.
Levinas traz em sua vida a inquietação de um século marcado pela dominação do homem sobre o outro homem. E no âmbito filosófico, Lévinas, enxerga o pensamento ocidental, a partir da filosofia grega, que se desenvolveu como discurso de dominação. Para ele o Ser dominou a Antiguidade e a Idade Média e depois substituiu “eu” desde a época moderna até os nossos dias. Em uma de suas inspirações – Lévinas – buscou na sabedoria bíblico-judaica.
TOTALIDADE E INFINITO
Como já foi mencionada, esta obra é considerada a mais importante de Lévinas. Trata-se de uma tese de Doutorado publicada em 1961. Na obra Totalidade e Infinito, o autor faz muitas reflexões e conceitos que já havia analisado anteriormente, organizando-os dentro de uma abordagem de relação entre totalidade e exterioridade, o mesmo e o outro, a ontologia e a metafísica. Lévinas, também, busca manter um forte diálogo com a ontologia. Com o objetivo de propor uma “saída do ser e de sua obra de ser” (COSTA, 2000. p. 95 ) para colocar temas como existência, existente, eu, sujeito, tempo numa perspectiva transontológica ou a partir do ser e do não-ser.
O Outro: Ele diz que todo homem tem o desejo pelo invisível. Pois a metafísica aparece no contexto de que a vida verdadeira está ausente, mas o ser humano está no mundo. “O desejo é absoluto se o ser que deseja é mortal e o Desejado, invisível” (LEVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 22). Em outras palavras, desejar o Outro para além da totalidade ontológica de um sentido que a ele se estabeleça previamente em nosso mundo. A metafísica deseja o Outro para além das satisfações. E o real contato com a alteridade é possível somente a partir da Necessidade e do Desejo. Se eu desejo e necessito, me lanço em busca do outro (através da linguagem) para manter uma relação do face a face. Criando assim, uma alteridade. Na relação face a face onde dois seres humanos se encontram, impõem-se a dimensão ética do respeito pela alteridade.
É desejo do infinito porque o outro pode sempre se manifesta infinitamente outro para além de nossos conceitos já formulados. Este Desejo que nos move em direção ao outro é um desejo metafísico, pois não se trata de um desejo da apropriação do outro enquanto elemento do mundo.
O Outro metafísico é outro de uma alteridade que não é formal, de uma alteridade que não é um simples inverso da identidade, nem de uma alteridade feita de resistência ao Mesmo, mas de uma alteridade anterior a toda a iniciativa, a todo o imperialismo do Mesmo; outro de uma alteridade que não limita o Mesmo, porque nesse caso o Outro não seria rigorosamente Outro: pela comunidade da fronteira, seria, dentro do sistema, ainda o Mesmo. O absolutamente Outro é Outrem; não faz número comigo. A coletividade em que eu digo ‘tu’ ou ‘nós’ não é um plural de ‘eu’. Eu, tu, não são indivíduos de um conceito comum (LEVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 26).
Lévinas mantém em sua filosofia o pensamento do método fenomenológico husserliano e da analítica existencial heideggeriana, mas se afasta dos dois até romper-se por três momentos:
- Ele busca superar o conceito husserliano de intencionalidade e romper com o solipsismo do ego (o ego é uma abertura ao Outro); rompe também com Heidegger, que pensara o Dasein não mais se abrindo ao mundo e através dele ao Ser;
- Ele contesta que o Ser ofereça o último fundamento ao homem, ou seja, que a ontologia seja fundamental – rompendo com o projeto heideggeriano;
- Ele ver a necessidade de abandonar todo e qualquer discurso sobre o Ser e tentar dizer a realidade “outramente que ser”. Esse fato foi muito importante, pois Lévinas descobriu Deus como instância última da ética e do Infinito.
Lévinas fala da ruptura da totalidade:
A ruptura da totalidade não é uma operação de pensamento adquirida pela diferença entre termos que se atraem, ou pelo menos se alinham. E o vazio que a rompe só se mantém contra um pensamento totalizante e sinóptico, se estiver de face de um Outro (LEVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 27).
Com a categoria de exterioridade, Lévinas propõe a ruptura das totalidades em que a subjetividade do outro e sua alteridade, acabam reduzidas a um conceito que recebe um sentido a partir de um projeto fundamental, fundamento esse que na história da humanidade acabará sempre legitimando o exercício do poder autoritário que se efetiva sobre o outro que já fora teoricamente aprisionado ao mundo do mesmo na limitada extensão de um simples ente.
A transcendência – para Lévinas – não é negativa. Pois a metafísica não coincide com a negatividade. É que a idéia do perfeito é idéia do infinito e a idéia do infinito designa uma altura, uma nobreza, ou seja, uma transcendência. E essas duas idéias não significam reduzir ao imperfeito. Pois a negatividade não alcança a transcendência (LEVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 28-29).
O rosto: O autor faz uma alusão sobre o rosto:
O modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a idéia do Outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o meu olhar, em expor-se como um conjunto de qualidades que formam uma imagem. O rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele me deixa, a idéia à minha medida e à medida do seu ideatum – a idéia adequada. Não se manifesta por essas qualidades. (LEVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 38).
Segundo Lévinas, a ética é o resultado do questionamento de minha espontaneidade pela presença do Outro. A ética realiza a essência crítica do saber. A crítica precede o dogmatismo, a metafísica precede a ontologia. O autor indaga se podemos expressar sobre um olhar voltado para o rosto, pois o olhar é reconhecimento, ou seja, percepção. E o acesso ao rosto, a priori, é ético. “A relação com o rosto pode, sem dúvida, ser dominada pela percepção, mas o que é especificamente rosto é o que não se reduz a ele” (LÉVINAS, Ética e Infinito, 1982. p. 77). Lévinas diz que o rosto está ameaçado, e ao mesmo tempo, o rosto é o que nos proíbe de matar. O “Tu não matarás” é a primeira expressão do rosto. O autor ver no surgir do rosto um mandamento, como se alguém (o senhor) falasse.
O rosto, para o autor, é significação sem contexto, ou seja, que o rosto não é uma personagem de um contexto; pois o ser no todo é personagem (presidente, governador, e etc). O sentido das coisas está na relação com outras coisas (na exterioridade), mas no rosto ocorre ao contrário, o rosto é sentido somente para ele (Tu és Tu), que não é capaz de ser transformado num conteúdo.
Lévinas, diz que há uma ligação entre rosto e discurso, porque o rosto se expressa. E fala porque é ele quem torna possível e inicia todo o discurso.
A transcendência da totalidade ontológica do Eu ao Outro se dá pela abertura à palavra do outro que surge em meu mundo através do rosto. A fenomenologia do olhar reduz aquilo que se vê a um ente do mundo com um sentido estabelecido a partir do projeto fundamental do ser. O outro se revela ao outro em seu rosto, mas se contempla ser Outro pela sua palavra. A linguagem viabiliza a conexão com o outro, ou seja, a linguagem como espaço vital de encontro do Eu com o Outro. A linguagem, para Lévinas, é uma espécie de ponte que liga o ser com o outro, o Eu com o Outro.
Lévinas chama de ateísmo a separação que o ser separado se mantém sozinho na existência. Sem participar no Ser de que está separado. O ateu, para ele, é egoísta e que Deus deu a ele a capacidade de livre escolha de crer ou na crer (LÉVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 41-47).
A verdade supõe um ser autônomo na separação. A procura de uma verdade é precisamente uma relação que assenta na privação da necessidade. Ou seja, procurar a verdade é ultrapassar o acontecimento mais fundamental da teoria. E reconhecer a verdade como desvelamento é referi-la ao horizonte daquele que desvela.
A retórica em sua natureza (da lisonja, da diplomacia e etc) consiste, basicamente, em corromper a liberdade humana. Por isso, ela é violência ou injustiça (LÉVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 47-58).
Infinito: Lévinas apresenta uma breve noção do que é a idéia do Infinito:
Voltando à noção cartesiana do infinito – ‘à idéia do infinito’ colocada no ser separado pelo infinito – retém-se a sua positividade, a sua anterioridade relativamente a todo o pensamento finito e a todo o pensamento do finito, a sua exterioridade em relação ao finito. Foi a possibilidade do ser separado. A idéia do infinito, o transbordamento do pensamento finito pelo seu conteúdo, efetua a relação do pensamento com o que ultrapassa a sua capacidade, com o que a todo o momento ele apreende sem ser chocado. Eis a situação que denominamos acolhimento do rosto. A idéia do infinito produz-se na oposição do discurso, na socialidade. A relação com o rosto, com o outro absolutamente outro que eu não poderia conter, com o outro, nesse sentido, infinito, é, no entanto a minha Idéia, um comércio. Mas a relação mantém-se sem violência – na paz com essa alteridade absoluta. A ‘resistência’ do Outro não faz violência, não age negativamente, tem uma estrutura positiva: ética. A primeira revelação do outro, suposta em todas as outras relações com ele, não consiste em apanhá-lo na sua resistência negativa e em cercá-lo pela manha. Não luto com um deus sem rosto, mas respondo à sua expressão, à sua revelação (LÉVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 35-39; 176).
O Infinito é aquilo que é próprio de um ser transcendente enquanto transcendente. O Infinito é o absolutamente Outro.
Transcendência, exterioridade e rosto, que por excederem à totalidade, à interioridade e ao pretensioso olhar sinóptico do eu mim mesmo, tornam a forma conceitual filosófica de infinito. Essa situação é o resplendor da exterioridade ou da transcendência do rosto do outro (COSTA, 2000. p. 104).
Em outras palavras, o termo transcendência é expresso pelo termo infinito. “Pensar o infinito, a excedência, a exterioridade e a alteridade não é prova de que existam; é apenas fazer uma experiência ” (COSTA, 2000. p. 105) na totalidade objetiva do mundo. Exemplo: se alguém pensar uma idéia cujo conteúdo dela exceda. Neste caso, o conteúdo existe? Não! Por que a idéia excede o conteúdo.
Há outro exemplo que Lévinas apresenta no livro Ética e Infinito:
Há desproporção entre o ato e aquilo a que o ato dá acesso. Para Descartes, reside aqui uma das provas da existência de Deus: O pensamento não pôde ter produzido algo que o ultrapassa; era necessário que este algo tivesse sido posto em nós. Logo, há que admitir um Deus infinito que pôs em nós a idéia do Infinito (LEVINAS, 1982. Ética e Infinito. p. 83).
A idéia de infinito é manifestada no centro da totalidade, produzindo assim, a finição (limitação) da totalidade e a infinição (excedência) do infinito. Lévinas diz que essa idéia se apresenta na relação do mesmo (no sentido de eu-mim-mesmo) com o Outro (na exterioridade). Em outras palavras, o infinito segundo o autor, é um ente, é uma entidade, do qual se pode ter uma idéia que o conteúdo e a desborda. Dizendo isso, fica claro que o infinito como ente é anterior a idéia do infinito e sua infinição reside no fato de ele não caber na idéia que dele se tem. O infinito é aquilo que é próprio de um ser transcendente enquanto transcendente. O infinito é o absolutamente Outro (COSTA, 2000. p. 108; 124).
A liberdade [segundo Lévinas] só se põe em questão na medida em que encontra de algum modo imposta a ela própria: [exemplo] se estivesse podido ter escolhido livremente a minha existência, tudo estaria justificado. A existência em realidade não está condenada à liberdade, mas a investidura como liberdade. Filosofar é remontar aquém da liberdade (LÉVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 70-87).
O essencial da existência criada consiste principalmente na sua separação ao Infinito. E tal separação não é simplesmente uma mera negação, e sim uma abertura a idéia do Infinito. O pensamento e a liberdade vêm para nós através da separação e da consideração de Outrem. O Infinito abre a ordem do Bem (LÉVINAS, 1980. Totalidade e infinito. p. 89-92).
Na fenomenologia do eros, Lévinas fala que na relação erótica dos seres humanos manifestam-se simultaneamente o desejo, que é alcançado no gozo, e o Desejo sempre insatisfeito, que buscará servir ao outro na proximidade, na justiça e no respeito (LEVINAS, 1980. Totalidade e Infinito. p. 232 –261).
A questão principal que Lévinas lida em sua obra – Totalidade e Infinito – é a relação do Mesmo e do Outro. E essa relação não pode implicar na negação e redução do Outro ao Mesmo. Lévinas não imagina o ser humano se reduzindo ao Outro e ao mesmo tempo querendo reduzir o Outro. Mas imagina que através da ética é possível criar um diálogo amigável com o Outro, ou seja, ele diz que a ética é um elemento essencial preparado para reerguer o relacionamento humano com o respeito de um com o outro.
CONCLUSÃO
Lévinas quis tratar nessa obra (Totalidade e Infinito) questões Metafísicas (ética), Ontológicas e Transcendentais. Ele coloca o ser humano (o Eu) de frente consigo mesmo (Eu mim, mesmo) com o próximo (o Outro) e com sua inifinição (o infinito). Com isso ele tratou de uma filosofia da alteridade. Alegando que a relação com o Outro (no face a face) é uma relação fundamental, e é encima dessa relação que é semeado o ser e o saber. A alteridade que Lévinas fala é uma espécie de convite para sair de si mesmo e se transcender (abrir) na responsabilidade pelo Outro; um cuidar do Outro. Talvez por isso, que ele chamou a ética como a filosofia primeira: que é capaz de reestruturar a relação com o Outro, através da linguagem.
A exterioridade à interioridade do “eu penso” que se exprime nas categorias de identidade e totalidade, propõe a metafísica como modalidade de relação adequada para abordar o Outro, mantendo sua alteridade. As categorias do Desejo, Infinito, Rosto e Linguagem exprimem a adequação da relação alterativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Tradução: José Pinto Ribeiro. Lisboa/ Portugal, 1980: Edições 70.
LEVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito. Tradução: João Gama. Biblioteca de Filosofia Contemporânea. Lisboa/Portugal, 1982. Edições 70.
COSTA, Márcio Luis. Lévinas uma introdução. Tradução de J. Thomaz Filho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. (Coleção ética e intersubjetividade).
LÉVINAS. Wikipédia. <<https://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_L%C3%A9vinas>>.
Disponível em 27.07.06.